quinta-feira, julho 16, 2009

Sinto muito, Cléber.

Acordei às 7, tomei banho, tomei 2 xícaras de café e 2 pães torrados com manteiga, vesti a roupa, coloquei a gravata e fui pegar o meu jornal, até aí, o dia estava acontecendo como sempre acontece. Só que, quando abri a porta, o jornal não estava lá. Estranho. Coloquei meus sapatos e fui até a banca para ver o que tinha acontecido. Chegando lá, seu José Maria, o dono da banca, me pediu desculpas por não ter ido entregar o jornal. Eu falei que não tinha problema algum, mas, sem a intenção de longos papos, perguntei apenas o que havia acontecido, já que em dez anos o jornal nunca tinha deixado de ter sido entregue. E ele, com a voz um pouco embargada, me contou que seu ajudante – Cléber – havia morrido com um tiro. Na hora, tive a vontade de perguntar tintim por tintim do que havia acontecido, mas, me faltaram as palavras. Falei apenas um “sinto muito, seu José”, bati nas costas dele e segui para o carro.
No caminho para o trabalho a figura do rapaz não saia da minha cabeça. Um menino ainda, tinha uns 16, 17 anos, moreno, olhos castanhos meio apagados, cabelo raspado e magro. Não me lembrava completamente de seu rosto e senti uma culpa terrível. Deveria ter falado mais do que um “obrigado”, deveria ter dado mais gorjetas e ter lido com mais carinho os cartões que ele entregava na Páscoa e no Natal. Sei que é inútil ficar me punindo por coisas que agora não podem ser mais feitas, mas, fui um idiota, um burguesinho imbecil – para Cléber, eu era burguês, ou melhor, “gente fina da zona sul”.
Que vida injusta, que vida de merda; um garoto tão novo, com tanta coisa pra viver, e que quando estava vivo, tirava 5 minutos das suas manhãs para me trazer o jornal em troca de ocasionais gorjetas e uns trocados no final do mês. E eu, egoísta e seco, nem sequer reparei direito em seu rosto. Não me lembro de ter o visto sorrir, nem de ter sorrido com afeição para ele. A sensação de perda que se fixou dentro de mim foi aumentando e começou parecer que tinha perdido um filho. Ele havia sido fiel à mim todos esses anos, nunca me deixando sair de casa sem saber o que aconteceu. Eu deveria ter protegido, amparado, ensinado ele à fazer contas, ou pelo menos, ter falado algo que o fizesse rir. Fazendo-o rir, eu poderia ter sido o alívio dele nas manhãs, poderia o fazer pensar que a vida não é tão amarga. Mas, não fiz.
Derrotado cheguei ao trabalho, passei o dia pensando no garoto – que morava no morro e que possivelmente morreu com uma bala perdida, ou se envolvia com drogas e morreu por causa do tráfico, ou defendeu um amigo e tomou bala ou se matou com um tiro de uma arma roubada.
Cheguei em casa, vi o jornal na tevê,– não falaram nada de Cléber, que tristeza – jantei, beijei minha esposa e me deitei.
Na manhã seguinte, fiz tudo o que faço nas manhãs, e automaticamente, abri a porta para ver o jornal, e ele estava lá. Cléber já podia, então, descansar em paz.

Um comentário:

  1. foi você que escreveu mesmo, né? juro que ia acabar de ler o texto e ver um nome de autor ou um nome de conto embaixo! parabéns, gostei demais! seu texto é muito ágil e objetivo, você escreve realmente muito bem! li uns outros posts e um deles especificamente me conquistou pelo jeito como você falou da bette davis!
    vou voltar mais vezes! já sou fã!

    ResponderExcluir