quarta-feira, novembro 29, 2017

programa do dia

encontro com a minha estabilidade emocional
e falo:
"shantay, you stay!"
ela obedece, volta pro lugar dela,
ainda agradecida.

mastiga

não tenho mais nenhum dente
natural
nenhum dente que meu pai escovou
nenhum dente que minha mãe escovou
nenhum dente que mastigou aquele pão que o diabo amassou,
nenhum dente que esteja nas fotos do colégio
é fingimento dizer que eu tenho dentes meus
nem sei mais onde eles estão
roubei todos os dentes que tenho
os dentes que tenho não guardam minhas memórias
eles as vezes doem na minha carne
o tempo em que cada um deles está na terra
volta e meia perco de novo os dentes
depois de cair na rua
depois de quebrar a cara
depois de morder o rosto da pessoa que mais amei
tentando arrancar dela hora cinismo, hora afetação
hoje passo a língua nos dentes da minha bisavó, de um bailarino cego, de um bebê sírio, de um javali, numa prótese 3D de dente.

chorume

eu pra vocês sobre hoje é
tomorrow no more, baby
corta os braços e
"dá uma estrela, vai!"
taca bomba & conquista mercado
internacional
e depois você come
come
comida comida
depois de escrever o escrito e falar o falado
pra comprar o dinheiro e felicitar a felicidade
garantindo sobreviver na garantia da sobre vida
e tem a opção b
( ) sufocar na
palavra nenhuma
palavra prefiro que não
palavra não mais
atravessada por tudo nada
atropela
não escapa
distrai e lembra
quando foi que eu fui embora gente parei nesse __
baldio espaço
corpo pêndulo
memória prisão ___
existência preâmbulo
língua presa
loading
grito dentro da tua boca que grita
dentro da outra boca que grita
dentro da outra boca que grita
dentro da outra boca que grita
gasta gasta gasta
rouquidão
remédio pra rouquidão
rouquidão
prótese de garganta
rouquidão
corta a cabeça fora
rouquidão
até que esgota e abrindo um buraco enorme
disforme destruidor, tipo um não eu
paralelo a mim
nessa
condição nômade
parada
fica calada diante do real silêncio
depois que já morreu tudo que já
se chamou de deus
dai, se abre todos os orifícios
boca, mão, orelha, cu, umbigo
pra escrever
o que eu tenho aqui pra vocês sobre hoje é
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quinta-feira, novembro 23, 2017

um dia possível

inacordar
descomer
descovar os dentes
arresponder as mensagens
imanter contato
contraandar
destrabalhar
inisistir
deshappy hour
nevoltar pra casa
desdormir



sexta-feira, setembro 01, 2017

os moleque

não sei o que aconteceu até agora nesse ano, mas não vi os moleques. 

a festa que eu ia com os moleque, ninguém vai mais. e aquelas fotos que eu batia com os moleque pra mandar pros outros moleques, ninguém vê mais. não fui a praia com o Deivid, não cruzei cidade com o Caio, não entendi a piada que o Rafa me contou outro dia. em vez de rir quase chorei. queria me vestir pra encontrar os moleque. encontrar um bloco no meio de uma semana no meio de uma madrugada com os moleque. queria entender a ironia dos moleque, ser irônica com os moleque.  dar Catuaba pros moleque provar, acordar na casa da Carol na Rua do Senado junto com os moleque depois de colocar "Desterro" pros moleque escutar. e os moleque falar pra colocar de novo. saudade de zoar com os moleque, ir pro Horto com os moleque e pensar num filme de animação em que seríamos bichos, imagem de arquivo, nossas vozes em off, só colagem. saudade de um "bora fazer". saudade de chorar num bar de Copacabana com os moleque porque o país tava na merda. queria abraçar os moleque de novo com alguma paz genuína. não queria duvidar de mim com os moleque e nem gerar dúvidas. queria encontrar curiosidade nos moleque, sagacidade. queria pedir pros moleque alterarem a minha velocidade. queria pular na garupa dos moleque. queria rezar com os moleque, ler um texto pros moleque, fazer rir os moleques, fazer rir os moleques.

não sei o que aconteceu até agora nesse ano, mas não vi os moleques.  

mas se quiserem me ver, é só procurar.

marechal hermes

um cachorro branco
te acompanha
por todo percurso
.
deixaram o portão
destrancado cheio de
destroço no portão
descascado
sobra de osso
no portão
"Troça!", chama a vizinha
a sua filha deslocada, "olha
o cachorro!".
.
ele te acompanha
por todo percurso
corre atrás dele
ele foge
só ir andandando
repara ele mancando
do teu lado
.
o cartaz arrancado
sobre o cartaz
arrancado
ninguém chegou
ninguém partiu
relógio velho parado
a cadeira de sol
foi abandonada na calçada
num dia de chuva
e levada pela enchente
autoridades disseram:
voltou pro mesmo local
completamente
lesada.
.
ir pelo asfalto quente
ao fim
da borda
do núcleo
da terra
desse país
e só sentir
esse cheiro
forte
de leite de rosas.

sexta-feira, julho 21, 2017

escala de coma de Glasgow

azulejo
com um nome desse
não teria como
algum dia ser quente.

domingo, julho 02, 2017

quando chove no rio

do Catete até sua casa deve dar, 
aproximadamente, 
quinhentos e oitenta três passos.
e eu saberia totalmente
se não tivesse que ter
feito hora embaixo
de uma marquise.
.
onde três senhoras de cabelos
tingidos de três cores tremendamente
diferentes não são um trava língua traiçoeiro.
são Roxo, Prata e Acaju e
conversam sobre pinterest
"unfollow" e "pins" que saem das bocas
batons vermelho sensação
delas
confundem o tempo.
quero envelhecer pra falar do
pinterest dos anos dois mil e sessenta
e sete com as amigas de cabelo meio
fio de nylon gasto
.
não vou a sua casa
a cidade é maior 
a previsão do tempo imprevisível
haja palo santo
pra tanta intenção,
vácuo astrológico
estratosférico,
olha
essa lama barrenta
presa na unha do dedão.
.
queria que não tivesse desistido
e ainda
estivesse em Copacabana
me esperando na fila do Roxy
até agora. quem sabe  
um cineminha
não muda tudo
.
de que adiantou sair com
o cashimir
que vovó usou quando
visitou Toronto
se vim de novo no Alfa
.
no Rio de Janeiro
não é só a água que precipita 
e enche