domingo, setembro 12, 2010

Setembros

Era setembro, o ano não importa qual, década de 90.
Só importa mesmo que era setembro, quase primavera, e ele saiu de casa.

Saiu batendo a porta, com um xingamento preso na garganta e chorando.
Para ela, vê-lo chorando era ainda pior do que ver seu pai naquele mesmo estado. Os homens da sua vida, aqueles que a mais fizeram sofrer e que a fizeram fazer outros homens sofrerem, eram os únicos que a destruíam, a colocavam em estado desesperador, quando choravam.
Ele foi embora daquela forma.
Vieram outros meses e anos, mas setembros nunca mais foram os mesmos depois daquele. E olha, que houveram verões que a faziam jurar que a próxima primavera seria diferente. Nunca foi. Por mais que novos amores e decepções ocorressem no seu correr pela vida, o sentimento era o mesmo e a dor ainda estava lá quando setembro chegava.

Antes do fim da relação, haviam comprado um cachorro. O “filho” dos novos apaixonados do bairro do Cosme Velho. Mais um labrador chocolate para preencher as calçadas do bairro. Setembro era o nome dele, em comemoração ao setembro de dois anos passados quando se conheceram. Pensaram em colocar “Forrest” por ter sido o primeiro filme que viram juntos, a primeira vez que ela havia visto ele chorar. A segunda vez foi no enterro do avô dela, que ele gostava muito. Ela se lembra de estar tão feliz e emocionada pela emoção dele, que não ficou tão triste com a morte do avô. As outras vezes que ele chorou – e ela lembrava de todas – foram causadas por músicas deles dois, ou filmes deles dois, ou imagens deles dois.

Voltando a falar de Setembro, o cachorro, quando ele morreu, em algum ano do novo século, parecia que dentro dela duas sensações lutavam, uma era a carta de alforria daquela relação e de tudo que setembro representava, a outra um vazio que muito maior que 30 dias de cada ano da vida dela.
Foi, ironicamente, a última vez que ela chorou.
Não havia liberdade maior, não havia tristeza mais devastadora. Nem mesmo a arte, que tanto a encantava, a emocionava a ponto de chorar. Na verdade, evitava os filmes de drama e as músicas que lhe lembrassem dele ou da infância.

O presente, ela pensava, havia de ser sua motivação. Tinha um filho, peixes e uma relação ótima com o ex-marido, a angustiava muito aquele passado sem mais frutos a destruir tanto. Havia se separado do ex-marido em abril e este passava como um mês qualquer, gostava dos frutos de outono. Ela podia ser bonita em abril, já em setembro por mais que quisesse nunca se achava bonita e era inevitável ela não cismar que o iria encontrar em algum setembro ainda. Evitava sair de casa nos dias em que estava pior, não queria nem pensar se ele a visse em mau-estado.

Quando o pai morreu, em dezembro de algum ano, ela o convidou para o enterro. Ele mandou flores para sua mãe e seus sentimentos para família, mas, não foi. Ela o esperou até mesmo depois do enterro, sentia que era dele que ela precisava. Ele gostava tanto de seu pai e ela queria tanto vê-lo chorar de novo. Até hoje, ela se sente mal quando deseja que alguém mais em comum aos dois morra, mas, pensa que quem sabe assim eles se veriam de novo, fora ou em setembro, mas que ela o visse chorando.

3 comentários:

  1. estamos em setembro! para mim o pior mês é maio.

    Julia da Matta

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  2. ela é uma pisicopata, matou o pai pra ver o cara

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  3. a bruna matou a charada e pelo jeito é psicopata também, eu que não queria estar na pele do pai dela...
    setembro mal começou e a minha filha, tão inspirada, tão clarice lispectoriana, tão parecida no jeito de escrever com o pai dela, que, espero, continue vivo por muitos setembros...

    pai Leo (lê mãos, advinha os desfechos dos amores primaveris, joga búzios e faz umas fotos muito meia boca...)

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