sexta-feira, novembro 13, 2009

Até o fim...

Nasceu, meio torto e meio chato, como a cabeça da mãe cearense. Pequeno planejava ir pro sul e repetiu em geografia. Não acompanhou a escola, mas, teve que acompanhar Maria aos 17. “Como assim ta prenha?”

Foram os três para Sampa ganhar a vida. Servente de motel, pagamento que mal da para quitar o aluguel. E nasce mais um, Gabriel, nome de anjo pra ver se tem sorte.

Maria vai trabalhar, só na cama mesmo pra se encontrar.
Trabalhando com obra, o dinheiro começa a dar, mas, não sobra. “Não dá por causa da bebida!” diz Maria. E ele poderia largar logo a bebidinha de cinco e dez com mais cinco ou dez colegas?

Na TV passava novela mostrando um pouco da sua terra e não conseguia controlar a saudade e a vontade momentânea de voltar. Que falta fazia seu povo, o passo mais lento e andar descalço na areia quente. “Se lá fosse só poesia, a gente não tinha saído.” pensava.
Todo dia tinha feijão e arroz na marmita, e, para que entre companheiros pudesse ser vaidoso, tinha também farofa de ovo. E na rotina, as piadas velhas repetidas e cantadas mal respondidas

Nasce a filha, Daiana como a princesa pra ver se vira rica. Trabalho dobra, a cervejinha também..
As novinhas pareciam querer provocar com o andar, faziam ele mesmo se envergonhar das coisas que não parava de pensar. E Maria aparentava mais velha, cansada. A amava ainda, Maria era o porto seguro, a lembrança presente do que era e do que ia ser. A força em que se apoiava ao sair do bar. Aquela que educava seus filhos.
E, talvez, fosse esse seu único objetivo agora, educar seus filhos. Não podia dar Barbie, nem vídeo game, mas dignidade. Sabia, no fundo, que para seus filhos isso pouco era. Mas, era melhor essa educação severa do que uma vida na miséria.

Estava envelhecendo. “Sem rendimento, sem pagamento. Fora!”. Pesadelo de realidade. O filho mais velho indo trabalhar. “Os outros vão continuar a estudar”.
Porteiro no Morumbi, como era longe! Chegava em casa tarde - antes o bar do Wilson - e como pedra dormia. Só continuava essa vida por ser cabra-orgulhoso, não sabia muito bem do que. Devia continuar. Era nordestino. Filho de Joana e José. Tinha alguns sonhos meio esquecidos. Apenas seguia a irrecusável e imutável proposta de vida.

O cabelo grisalho aparecia, só não arrancava porque sabia que mais sete nasciam. Danou-se, é vez de Ivete, a empregada do 207 tirar seu sono. Parou de beber, o cabelo pintou, até poema dum caminhoneiro amigo recitou. Ela fazia que bola não dava e toda hora para Paulo ligava. Paulo era um abestado e também bandido. Assobiou pra moça e caiu na poça todo batido. Maria dele cuidou, escondida chorava e na cozinha cantava as músicas que faziam com que suas lágrimas não pudessem parar.

Era agora avô, sua princesa Daiana não casou com nenhum bacana, mas, lhe deu a neta querida: Joana. “Em homenagem a mãezinha”.
Mesmo sem estudo se sentia muito sábio. Trabalhava menos e cuidava de passarinhos. Tinha cada vez mais gaiola e dava mais carinho. Maria, mesmo amargurada merecia. Mais netos, todos os santos reunidos para ceia com o vô.

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