segunda-feira, junho 28, 2010

Cena Noir (1)

Entrei no Jonh’s eram umas quinze para meia noite.

Há muito tempo que não entrava sozinho num bar. Estranhei sentar na bancada.
Desde garoto só gostava de sentar à mesa, a luz era sempre mais bonita na mesa, as garçonetes eram sempre as mais bonitas que atendiam nas mesas, sempre tinha alguém me acompanhando à mesa. Naquele dia nenhuma mesa me atraiu.

O John’s continuava o mesmo. Não, o John’s estava perdendo seu charme. Não, eu estava cansado do charme de John’s. Melhor dizendo, o charme do John’s já não me dizia mais nada por eu não ser mais o mesmo.

Pedi uma dose de whisky para o garçom velho e ele não entendia o porquê do meu olhar intimo. Nunca havíamos conversado muito bem, alguns papos sobre algum esporte ou sobre a qualidade dos vinhos. Desde que pisei no Jonh’s pela primeira vez – e não foi há pouco tempo isso – o garçom velho – que já era velho naquela época – estava lá. Parece que nada mudou pro garçom, ele continua com os papos que dão certo como futebol e bebida e com alguns clientes, os mais extrovertidos, o garçom ousa falar alguma coisa sobre mulheres. Um cara esperto esse garçom.

Sentar na bancada dava o ar que eu queria para aquela noite. Ar de solidão, desolação e de melancolia. Isso tudo descrito me passa uma beleza enorme, a melancolia de um homem é uma coisa bonita. A única pena é que o homem descrito sou eu. Um homem aos seus 50 anos, aos seus cabelos ficando brancos, aos seus inúmeros paletós. Só tive consciência de que estava ficando velho quando vi a quantidade de paletós de linhas diferentes e tons iguais, de linhas iguais e tons diferentes, de formatos diferentes com cores diferentes e linhas iguais no armário. Prefiro nem citar os tipos de gravatas.

O cheiro de cigarro me incomodava, não por ser cigarro, mas, por ser cigarro barato. Olhei em volta, achei uma fumaça saindo da boca vinho de uma mulher de longos cabelos loiros cacheados. Uma mulher que se parecia com aquelas que nós víamos nos filmes, aquelas que sempre acompanhavam o gangster. Linda, mas não deixava de ser cafona. Cafona, mas não deixava de ser linda. Fitei-a tempo o bastante para minha cabeça me censurar ao me fazer pensar na figura de Tânia.

A minha peregrinação parada no John’s se alastrava noite à dentro. Pessoas entravam, saiam e alguns entravam e saiam mais que uma vez. Via que a qualquer momento teria que sair, o frio da rua só de pensar se alastrava meu corpo à dentro. Me queixei com um homem que estava no meu lado, ele fez que sim com a cabeça e disse algo como “inverno infernal” e soltou um grunido que eu interpreto como um risada.

À oitava dose de whisky, os olhos azuis de Tânia apareciam em todo lugar. A cor dos olhos dela mudavam com o passar do dia, mudavam também quando estava triste ou feliz. Mas, não importava em que ponto o dia acabava, seus olhos à noite sempre lembravam-me o mar.

Bela Tânia.

À décima quinta dose me sentia o próprio Humphrey Bogart ao lamentar seu amor por Ingrid Bergman. Cantarolava baixinho “as time goes by”. Tânia adorava a cena do “play it, Sam!”. Ria quando me via imitando o galã de Casablanca e eu falava “i’m looking at you, kid!”.

Entrou um gato preto e branco no bar que ficou me fitando, ofereci à ele um copo de whisky. Nem se mexeu, só ficava me fitando.

Vi que estava na hora de pedir as duas últimas doses e voltar para casa. “Sam, saideira dupla, meu chapa!” – Eu disse ao velho garçom.

Quando acabei as doses, o gato já tinha sumido e metade do bar estava com as luzes apagadas, mal dava para ver o caminho até a porta. Só dava para ver o neon do “OPEN”. Fui cambaleando até a porta, quando, sem ver direito, tropecei e cai nos braços de uma mulher de olhos azuis como os de Tânia.

Fechei os olhos até que pudesse me posicionar de maneira melhor para ver aquela mulher, antes que abrisse os olhos me chegou na cabeça o cheiro da mulher. Abri-os então na mesma hora que falei “Tânia, minha querida, o que você faz aqui?”. Passando a mão em meu rosto, em tom irônico, ela disse “I’m looking at you, kid.”

Fomos ao caminho de casa, eu apoiando meus braços em volta dos ombros dela e, fingindo esquecer os motivos para minha embriaguez, cantarolávamos juntos “as time goes by”

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